005 DE ONDE VEM A INSPIRAÇÃO?

 


A
atividade literária é decidida e certamente uma atividade criativa. É um engano e um erro de compreensão pensar-se que um escritor deva ter natural e compulsoriamente uma atitude de escrever sempre verdades ou uma verdade. Obviamente certos textos por seu próprio propósito devam impingir ao seu autor o dever de ser fiel a fatos ou uma exposição lógica e mais factual, seja por denúncia minoritária de determinado processo histórico-social ou apontamento de uma tese. Mas a maioria das produções literárias satisfazem ou tentam ir além da realidade tendo com a realidade apenas um fino fio de ligação com a mesma.

Exatamente por isto, os milhões de professores de línguas pátrias em todas as nações não se tornam e não são escritores, nem a maioria dos linguistas especializados nos diversos processos linguísticos também. Canções populares raramente, e são muito poucas as exceções, são compostas por estudiosos de línguas. O reconhecido compositor brasileiro Cartola era praticamente analfabeto e sua poesia inclusive na sua canção "As Rosas não falam", dedicada a sua amada esposa, é reconhecida como qualidade rival as do diplomata e poliglota, compositor, Vinícius de Moraes. Este a despeito de sua vasta cultura escrevia versos simples, belos e portanto populares. 

Chico Buarque de tradicional e centenária família de grande cultura há quatro séculos no Brasil e sobrinho do autor do mais conhecido dicionário de língua portuguesa no Brasil, o famoso Aurélio, fugiu para nunca mais voltar à faculdade de arquitetura. E não consta que tenha sido um estudante reconhecidamente exemplar no antigo ginásio. Muitos outros exemplos poderiam ser dados desfazendo em certas situações da falsa relação favorável entre estudo e inspiração na criação de certas criações artísticas.

Não poucos, igualmente, são os relatos de como certas composições ( que são hoje sucessos inegáveis e inquestionáveis ) surgiram de forma inusitada. Inúmeras poderiam jamais ter se concretizado e saído da mente de seus autores para o mundo real, sendo tocadas, gravadas, vendidas e eternizadas pelo seu não anonimato.

Poderiam simplesmente se evaporado e nunca sido ouvidas, conhecidas e celebradas.

Não desejo transformar estas curtas reflexões em uma tese repetitiva e cansativa. Repisando elucubrações teóricas acerca do que seja ou não o processo criativo e a intuição na composição. Seja de uma peça musical, da pintura de um painel, a criação de uma escultura ou de um texto curto ou um romance. Entretanto quero apenas relembrar que a criação não dá nunca saltos monumentais e absolutos: sempre tem um pé no seu contexto e dele absorve tendências estáticas ou dinâmicas e a sua diferença é que vai um passo além.

Johann Sebastian Bach, o maior músico de todos os tempos reconhecidamente, nas suas composições não inovou exatamente, aliás recuperara algo que já existia em seu tempo e já teria decaído do gosto e das paixões populares e dito desta maneira, populares não significa do gosto das pessoas mais simples mas de todas as classes sociais de sua época. O que Bach fez foi resgatar o contraponto e elevá-lo à perfeição plena e absoluta.

A Bossa Nova, o único estilo musical brasileiro celebrado e reconhecido mesmo hoje mundialmente, tem sua base no samba brasileiro e a sua harmonia na música erudita influenciando o Jazz norte americano e não ao contrário como muitos pouco informados suponham erradamente.

O compositor e pianista Ivan Lins, engenheiro químico com especialização em cimentos, somente ouvia antes música norte americana na infância e não brasileira, por volta dos três anos de idade. Após ganhar vários festivais e ser reconhecido por suas composições percebeu a impossibilidade real de tentar uma vaga de engenheiro, até tentara.

A canção "Sem lenço e sem documento" de Caetano Veloso se baseia em uma frase dita por um desconhecido a um amigo enquanto todos caminhavam na praia de Copacabana no Rio de Janeiro. O autor da frase, que foi apenas um sincero desabafo, e Caetano jamais se reencontraram.

Um último exemplo que não pretende ser comprovado, é que minha esposa estudava teologia em um prédio da Igreja Batista de Lagoinha, o mesmo prédio que Ana Paula Valadão estudava e eu a via descer anônima e discreta as escadarias do mesmo prédio. Minha esposa me disse que um dia angustiada desceu os andares e ao passar por uma sala de aula vazia, deixou na losa a seguinte frase em letras grandes: "Preciso de Ti". Pode ter sido apenas uma coincidência, não importa, este relato tornado público pela primeira vez não pretende exigir ou provar nada. Quantos exemplos de pequenas ou grandes coincidências foram realmente a partida, a ignição para algum processo criativo de alguma grande criação artística?

Poderia escrever centenas de páginas ou vários capítulos de um livro registrando somente processos criativos de pessoas em canções ou outras obras, geralmente artísticas, mas não é este o propósito nesta reflexão.

A próxima questão, a qual considero importante, é: se pode forjar uma criação e um criador artístico?

A resposta pode ser infelizmente sim e a indústria do entretenimento sem a qual as coisas não se tornam conhecidas e modernamente não chegariam as pessoas, forja e dão status de "artistas" e de "grandes autores" a muitos que não são realmente nem uma coisa nem outra, ou pelo menos bem menos daquilo que se vende como produto às grandes massas ávidas por consumo.

A diferença é que, dentro de uma lógica razoável, autores e criadores verdadeiros e de qualidade se satisfazem com o que criam, pois aparentemente embora criem suas coisas, suas criações para os outros seres humanos, primeiramente o façam para si mesmos.

Novamente lembrando de J.S. Bach, cujas composições eram assinadas com três letras maiúsculas, e assim puderam ser reconhecidas mesmo muito séculos após mesmo sem o seu nome: S.D.G. ( Soli Deo Gloria em latim ) "Somente a Deus seja a Glória", compreendemos que o padrão de qualidade e de excelência de Bach era o próprio Deus. Sendo protestante, luterano, Bach é hoje reconhecido por toda a cristandade sendo reconhecido e regiamente homenageado por ninguém menos que Vila Lobos em nove de sus aclamadas "Bachianas".

Quais a sua fonte inspirativa? qual a sua motivação? como se dá seu processo criativo? ou você nunca deixou-se arriscar-se em algum processo criativo?

Conte-nos!

Por Helvécio S. Pereira

Até uma próxima então!


Por Helvécio S. Pereira

Graduado em História da Arte, desenho e plástica pela EBA /UFMG

e em pedagogia pela FAE/UEMG

Professor de duas redes públicas em Belo Horizonte Minas Gerais e ex-formador  da GPLI, ligada à Secretaria da Educação da PBH por cerca de seis anos.

Brogueiro desde 2011, professor, compositor, pintor, ilustrador e desenhista

Comentários

  1. Tem muita lógica seu texto , embora penso que o processo criativo tem muitas " facetas" há os que compõe com a alma e enlevados sentimentos , há outros que compõe pensando no impacto que sua obra causara no público e portanto visando lucros e até mesmo o sustento material , em suma tudo parece indicar que o processo criativo é tão complexo quanto a criatura humana ...

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